Jerry Borges traça um panorama dos casos de
interrupção da gravidez e seu impacto sobre a saúde pública, além de abordar a
questão da descriminalização dessa prática no país e as
divergências sobre o início da vida.
Por: Jerry Carvalho Borges
Nas últimas semanas, o país tem
debatido de forma acalorada sobre a descriminalização do aborto e,
consequentemente, os direitos da gestante e de seu concepto. Apesar de tal
discussão se referir a casos específicos (anencefalia), é extremamente
apropriado e atual debater sobre os diversos aspectos do aborto no Brasil.
O aborto tem se convertido nos últimos anos em um grande problema para a saúde
pública mundial, pois a interrupção da gravidez, por meios legais ou ilegais,
tem se tornado cada vez mais frequente. Essa situação acarreta um elevado
número de mortes e compromete a saúde de milhares de mulheres.
Estimativas da Organização Mundial da
Saúde (OMS) indicam que ocorrem a cada ano no planeta cerca de 87
milhões de casos de gravidez indesejada. Desses resultam entre 46 milhões e 55
milhões de abortos.
Diariamente ocorre no mundo um aborto a
cada 24 segundos
Diariamente, são realizadas cerca de
126 mil interrupções voluntárias da gravidez, ou seja, ocorre um aborto a cada
24 segundos. Comparativamente, é como se 1/4 da população brasileira ou todos os habitantes da Itália, ou da Espanha ou da Argentina
fossem exterminados em um único ano. A grande maioria
desses abortos (78%) ocorre em países em desenvolvimento.
A cada ano, aproximadamente 18 milhões de
mulheres abortam de forma clandestina. Anualmente, cerca de 13% da mortalidade
materna no planeta são
atribuídos a abortos malsucedidos.
A situação brasileira
Segundo estimativas
de 2001, 10% das gestações noBrasil terminam em aborto
(foto: Hilde Vanstraelen / sxc.hu).
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No Brasil, estimativas
realizadas em 2005 com base em internações hospitalares decorrentes de
complicações provenientes de abortos registradas pelo Sistema Único de Saúde
(SUS) indicam que ocorrem cerca de 1,5 milhões de abortos a cada ano. É como se fosse eliminada totalmente a população de Porto Alegre, ou
de Recife, ou de Campinas e Niterói juntas.
Cálculos do Ministério da Saúde, por
sua vez, revelam que 3,7 milhões de mulheres entre 15 e 49 anos induziram aborto (7,2% do total de mulheres em idade reprodutiva).
Estimativas de 2001 indicam que 10% das gestações acabam em aborto, que se
constitui na quarta causa de óbito materno no país, vitimando 9,4
de cada 100 mil gestantes.
Estudiosos do tema acreditam que o
número de interrupções não naturais da gestação é subestimado, pois a maioria
das mulheres que fazem abortos recorre a clínicas clandestinas, somente
procurando os serviços de saúde pública se algo der errado.
A realização de curetagens devido a abortos é o segundo procedimento
obstétrico mais praticado no país
O impacto dos abortos ilegais é enorme
e pode ser estimado por meio dos casos em que as gestantes têm complicações ─ que
não conseguem solucionar sozinhas ou nas clínicas clandestinas ─ e acabam
por ter que recorrer aos serviços de saúde. A realização de curetagens devido a
abortos tem se tornado cada vez mais comum, sendo, de acordo com o Ministério
da Saúde, o segundo procedimento obstétrico mais praticado no país, após
os partos normais.
Apesar da enorme frequência de abortos no país, o Código Penal Brasileiro
prevê uma pena de 1 a 10 anos de detenção, de acordo com a situação, como
punição para o aborto. Além disso, afirma que a interrupção não natural da
gravidez pode ocorrer apenas em duas situações: quando houver risco de morte
para a gestante ou a gravidez for resultante de estupro. Contudo, mulheres
presas por fazer abortos são uma raridade.
As razões do aborto
Mas o que faz uma mulher optar por
interromper uma gravidez mesmo correndo riscos enormes para a sua saúde e até
para a sua liberdade? Obviamente, nenhuma mulher em seu juízo perfeito
escolheria realizar um aborto. Contudo, há uma série de outros fatores
envolvidos.
Um estudo recentemente publicado traz
uma série de novas pistas para se esclarecer os motivos e o perfil das
mulheres que realizam abortos no Brasil. Essa pesquisa, coordenada
por Débora Diniz, antropóloga da Universidade de Brasília (UnB), e por Marilena
Corrêa, médica sanitarista da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj),
avaliou mais de 2 mil estudos sobre o aborto no país. Os resultados
contrariam o senso comum, segundo o qual esperaríamos uma maior taxa de abortos
entre adolescentes e mulheres com pouco estudo, desempregadas, solteiras e não
católicas.
O debate sobre o
início da vida
O debate sobre a ampliação do direito ou descriminalização do aborto é
complexo. Posições religiosas contrárias são fortes. Já a Constituição Brasileira afirma que o país é laico e é responsável pelo bem-estar dos
indivíduos. Mas a partir de que momento o concepto pode ser considerado um
indivíduo?
A partir de
que momento o concepto pode ser considerado um indivíduo?
O desenvolvimento embrionário depende de uma série de transformações
orquestradas ao longo de 38 semanas de desenvolvimento. Para alguns cientistas,
a vida começaria durante a fecundação (1º dia de gestação), quando ocorre a
união dos gametas feminino e masculino e a formação da
primeira célula (zigoto), que já possui todos os genes do futuro indivíduo. O
zigoto, contudo, é uma célula indiferenciada, e sua diferenciação se iniciará
somente durante a gastrulação (em torno de 13 dias após a
fecundação).
Como a ausência de atividade cerebral é o evento associado com a morte
humana, outros pesquisadores consideram que o início da vida humana ocorre
apenas com o surgimento da atividade neuronal, na 4ª semana após a
fecundação.
Um outro ponto de vista associa o início da vida com a capacidade do
concepto de sobreviver de forma independente. Segundo essa hipótese, o feto
somente poderia sobreviver fora do organismo da mãe, desde que tenha cuidados
médicos intensivos, a partir de 25 ou 27 semanas ou, alternativamente, após o
parto, quando, segundo as leis brasileiras, o indivíduo adquire direitos
básicos como o registro civil.
Segundo as leis brasileiras, o
indivíduo adquire direitos básicos após o parto (foto: Gengiskanhg/ Wikimedia
Commons – CC BY 3.0).
Na verdade, a definição da origem da
vida é uma discussão inócua e que admite uma série de pontos de vista
conflitantes. Para alguns, desde a fecundação o concepto já possui a
potencialidade para gerar uma nova vida, que será engendrada após uma
série de eventos sucessivos e programados. Para outros, contudo, o embrião, por
si só, representa apenas um amontoado de células que, se deixadas sem o apoio
da mãe, não gerarão nada.
Independentemente da posição que seja
adotada, a favor ou não de modificações na legislação sobre o aborto, algo é
claro: há uma necessidade de que o tema seja mais discutido e que a população
seja mais informada sobre o massacre a que são submetidas milhões de brasileiras que optam em desespero por interromper uma gravidez.
Um comentário:
Você vai trocar sistema excretor por sistema circulatório na prova dissertativa do 3º E.M. do Uno Vértice?
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